O aniversário da covid-19



É possível olhar pro céu e enxergar a rachadura?

Deve ter alguém no mundo que consiga. Eu não a vejo com os olhos mas a percebo lá. É como o sabor do sangue contornando os dentes, a gente sente, mas não encontra a ferida.
A rachadura se expande em pequenos trincados, tomando todo o firmamento. Se você não a enxerga ou não a sente, a ilusão ainda pode ser superada, eu sugiro você olhar em volta, onde todas as coisas mostram como a rachadura cresceu.
Todo mundo tá morrendo de fome, de guerra, de peste... se qnd a gente tentava superar, ainda assim doía, agora, que desistimos, é como o fio de cabelo que prendeu no pente, dói num ponto da cabeça, mas a gente não sabe definir bem onde é. A gente disfarça o choro, porque parece exagero, a gente disfarça a dor, porque precisamos parecer fortes, a gente descabela o couro cabeludo, alucinados, buscando o ponto de onde o fio se soltou. Alguém diz "é só um fio". Mas a dor não deixa dúvida, perdemos o fio...
Tá doendo de dentro pra fora, um dolorido que faz ano, é a espícula da unha encravada cortando a pele: só se sente a dor quando aperta. Mas por dentro há infecção, muita infecção! E carne morta. Quem já teve sabe que dá pra sentir o cheiro forte da ferida. Não adianta negar o problema, a unha continua crescendo, rasgando, o fedor exala, a carne vai morrendo...
Ou arranca a espícula ou perde o dedo, o pé, ou até a vida... e a gente sabe o quanto uma vida é valiosa. Mesmo assim vai partindo todo dia mais de mil... 260 Mil em um ano... era possível arrancar a unha, era possível se preocupar com aquele fio, era possível ir ao dentista encontrar a ferida, a rachadura no céu era perceptível, bastava usar um bem valioso a vida humana: Amor.

Sinto muito!

D'AUMON