Suspenso

Há mais de um mês, todo dia eu choro em algum momento. Às vezes, o choro vem de motivos pessoais, na maioria das vezes, coletivo. Às vezes, choro o dia inteiro! Não importa muito por quanto tempo, onde, na frente de quem, a cara feia, a coriza nasal. Entretanto, tento usar a palavra da moda: Resiliência. Não a palavra, vocábulo, código de linguagem. Mas o sentido que habita nela. E no tédio do terceiro andar, com um vento delicado sacolejando as plantas e pelos de gatos flutuando pelos cômodos, eu me agarro à qualquer  motivo pra me sentir melhor. Pra não decepcionar os planos superiores.
Descobri, enquanto não chorava, que eu sei fazer bolo. E fica muito bom! Dei um pedaço generoso pras vizinhas do apartamento ao lado. Não sabia nem quantas pessoas moravam, ali. Dividimos a mesma encanação de banheiro. Uma parede muito fina divide nossas varandas. E não sabia que, ali, morava uma família bem tradicional, duas mulheres casadas com uma filha, sequer  tinha visto o rosto delas. Compramos cueca! Elas tem lojas de cueca. Elas nos deram panquecas, não sabiam que eu não como carne. Da última vez, que meu marido levou o bolo de limão, ficou combinado que quando a quarentena passar, precisamos fazer um jantar entre todos nós.
Eu tenho três gatos, dois deles nasceram juntos e vivem juntos desde então, parecem gêmeos siameses de tanto tempo que passam enrolados um ao outro. Ambos estão vivendo o quarto ano de vida. A outra, mais nova e menorzinha, foi adotada aos seis meses. Ela está vivendo seu segundo ano de vida. Há um bom tempo, que os outros dois não brincam muito. Achava que estavam velhos. Ontem, peguei um barbante rosa e estimulei. Fiquei exausto de tanto que corri pela casa com os três. Eles não haviam mudado. Era eu!
Desde adolescente, sempre sonhei em morar em outra cidade. Não estava fugindo de nada! Amo minha Volta Redonda. Contudo, sempre quis conhecer novas pessoas, novas formas de viver. Moro em um lugar que levo entre seis e sete horas pra chegar à Volta Redonda. Não tenho carro! Sinto uma saudade imensa da minha família e amigos. Os vejo com certa regularidade, coisa de 2 ou 3 meses de intervalo. Só que agora, não faço ideia de quando os verei. Mas uma coisa mágica aconteceu, falo ao telefone toda semana com a minha mãe por cerca de 2 horas. Antes, ela brigava comigo, sempre aos 10 minutos de conversa, por qualquer motivo banal.
Nunca duvidei que amo meu marido, mas como ele é serviço essencial, descobri que amo esse homem como um bolsonarista ama o Bolsonaro, cegamente!
Passei a dar mais atenção às séries que paro pra ver. Comecei a dar mais atenção ao que me apresenta no quadro da janela. Diminui o consumo de café de uma maneira que nunca imaginei diminuir, só bebo 100 ml por dia, antes, bebia cerca de 2 litros. Fiz promessa, não foi pra nenhuma divindade, mas pra mim mesmo, de não beber até o fim da pandemia. Estou indo bem!
Hoje, no banho, me coloquei a pensar no que posso usar, de tudo que sei, pra ser útil depois da pandemia, já que há previsões catastróficas. Conclui que não importa o quanto de saberes ou coisas que você tem pra doar, num momento assim, mas a força está no quanto você doa daquilo que você sabe ou tem...
Entretanto, tudo isso não é pra panfletar bem-estar. Não é pra mostrar que existe beleza em meio ao caos e que você precisa enxergar. Porque todo dia, em algum momento, eu choro!