A Abnegada

   Pá! - essa é a onomatopeia perfeita pra iniciar a minha história. Pois foi com um tapa no Botão de Transição de Realidade que tudo começou. Mas que, também, terminou. O meu início será para sempre o meu fim. E a culpa - diferente do que você pensaria que eu ia dizer - eu acho que é do meu criador, sim!!!
   Eu estava, lá, no que seria a última chance de uma vida perfeita, o suor escorria pela têmpora, o cabelo cacheado colava um pouco no rosto, os olhos ardiam um pouco, mas a adrenalina anestesiava. Corri em direção contrária a dele e Pá - a tal onomatopeia aconteceu - foi quando me dei conta:
- Oi, meu nome é Miranda. - Eu respondi, naquele dia ensolarado, no suburbio classe média A... Usava meias até o joelho e saia xadrez de prega. Uma brisa suave fazia meus fios dos cabelos passarem em frente aos meus olhos. Eu sorria rasgado na construção dessa cena, eu estava numa realidade fantástica, em que nada surreal - nem mesmo a necessidade de ser uma heroína - me acometia. As sardas no seu rosto, seus cabelos ruivos, o sorriso estranho e a expressão corporal de quem parecia, ainda, aprender a lidar com o corpo humano, me faziam quere-lo para sempre em minha vida e que isso era o certo.
- Oi, Miranda, sou filho de um fã do Elvis... Elvis! É... é meu nome... - Ele olhou pro chão com timidez e então o sinal da escola soou, nos perdemos pelos corredores cheios de crianças, mas com a certeza de que nos veríamos no recreio. O que não aconteceu devidamente!
   Fui ao banheiro em meio à aula. Enquanto retocava meu batom vermelho, vi através do espelho um homem muito maltratado sair de um dos reservados dos vasos, por trás de mim. No rosto a expressão de pavor e agonia, um sorriso perturbador, um olhar perdido. Falando, efusivamente, para que eu o ajudasse, enquanto carregava um objeto branco, extremamente branco, que lembrava um botão, mas era como um botão a flutuar. Ele dizia de uma maneira perturbadora que já não sabia mais o que fazer, mas que só precisava que eu apertasse aquele botão, para que ele ficasse em paz consigo mesmo. Coloquei uma mão sob o objeto, que deveria ter uns vinte centímetros, e com um grande tapa bati sobre o botão. Foi o primeiro Pá, mas também o último. A sala brilhou em branco, o homem ria aliviado e dizia boa-sorte repetidamente. Me virei com violência para olhar para a porta de saída do banheiro, mas me deparei com meus cabelos envolvendo meu rosto, devido a força do giro. Era o meu reflexo no espelho, nesses segundos, meu reflexo desaparecia.
   Olhei ao meu redor, já não era o banheiro da escola, eu já não era uma menina de colegial. Era madrugada e vi luzes piscando, eu estava numa rua de boates e bares. Olhei meu reflexo, mas já não era eu, cabelos curtos, maquiagem leve, vestido rodado, uma mulher madura com um visual romântico, essa era eu (?). Caminhei pela rua fingindo entender o que estava acontecendo e então ouvi:
- Miranda! Aqui... - Me virei em direção ao bar e quando olhei pra mesa, vi sardas naquele rosto, cabelos ruivos, o sorriso já não tão estranho e a expressão corporal dessa vez, muito despojada. Sorri e fui em sua direção, me sentei à mesa. Era mesmo o Elvis. Mas, de perto, vi seus olhos fundos, estava muito magro, olheiras, cheirava um pouco mal...
- Miranda, acho que dá pra notar o porquê marquei contigo aqui. - Ele olhou em volta com desconfiança e prosseguiu - preciso de grana pra comprar mais... - Eu o interrompi:
- Elvis, que porra é essa?! Quando você começou com isso?...
- Não se faça de boba: Colegial... você foi pra sala, eu pra minha... recreio... eu aceitei, você não... eu fiquei, você deu as costas... e, naturalmente, cheguei aqui... - Ele pausou e prosseguiu com tom melancólico - Você fez o certo! A propósito, como está o Enzo?
- Desculpa, eu não tô me sentindo bem... estamos falando de quê? - Eu não sabia quem era Enzo. O viciado apontou pra TV do bar, ao fundo um reporter dava uma notícia qualquer sobre a cidade. Então Elvis prosseguiu:
- O maridão, po... - Ele riu debochado - Que parada é essa que você tá usando? Divide...
   Eu me levantei e sai andando sem rumo, ao fundo escutava Elvis gritar pelo meu nome desesperadamente. Eu não sabia o que estava de fato acontecendo, mas meu inconsciente me levava para algum lugar. Oh, céus! Era a minha casa.
   Eu entrei no apartamento e encontrei uma cafeteira, enquanto o café ficava pronto, ouvi a porta se abrir. Como quem vive de maneira mecânica, sem mandar as informações de maneira clara, peguei a caneca com café, o qual nesse momento já estava pronto, pousei uma das mãos no portal da porta e fiz um movimento de meia-lua em direção a porta de entrada. Meus olhos congelaram, meu coração se preencheu de algo que não sei definir, a consciência dizia o quanto eu amava Enzo, as memórias de toda a nossa história feliz e bonita passaram por instantes pela minha mente. Era ele o cara! Enzo era o amor da minha vida.
   Conversamos, eu estava mais calma. Enzo perguntou como tinha sido meu encontro com Elvis, relatei. Então, eu disse que se não fosse Elvis se tornar um viciado, meio bandido, talvez, ele seria o par perfeito na minha vida. Enzo me disse que eu deveria tê-lo orientado ainda no colegial. Assim, tudo fez sentido: Eu virei as costas e tudo mudou. Eu estava feliz e relizada, mas como eu poderia ficar satisfeita com aquela realidade, em que eu estava, se eu havia destruído a realidade de Elvis. Corri para o quarto como num surto, eu sabia onde estava o Botão de Transição de Realidade. Mais um Pá.
   Eu estava no pátio, uma amiga dizia ao longe:
- Miranúltima chance de uma vida perfeita, o suor escorria pela têmpora, o cabelo cacheado colava um pouco no rosto, os olhos ardiam um pouco, mas a adrenalina anestesiava, corri em direção contrária a dele e Pá - a tal onomatopeia aconteceu - foi quando me dei conta:
- Oi, meu nome é Miranda.da? Miranda? Qual é? Tá viajando aí, por quê? - Eu estava chegando com a consciência de agora e tomando o lugar da consciência antiga. Era eu outra vez, não sendo quem fora. Corri para trás da escola, puxei Elvis e disse que me casaria com ele no futuro se ele jamais usasse qualquer coisa. Logo depois, o beijei. O garoto saiu encantado comigo, eu acenei e fiz que iria para a minha sala, corri para o banheiro. Eu, agora, estava com saudade de Enzo, o amor da minha vida. Mas, quando bati no botão, senti o coração se apertar com a falta que sentiria de Elvis.
   Abri os olhos, na cama, senti o corpo do meu amor ao me lado, ainda dormindo, me virei para ele e o abracei, ele despertou, se virou para mim e sorriu: as sardas, o cabelo ruivo e o sorriso, agora, já não era estranho. Era Elvis! Ele não disse nada, ficou me olhando no fundo dos olhos em silêncio, um silêncio constrangedor. Eu pensei em Enzo, então, pensei que não o conhecia, busquei na memória da realidade a qual me encontrava agora, mas nada de Enzo. Um sentimento apavorante me bateu, uma mudança no passado e alguém já não faz mais parte da minha realidade. Percebi, que se eu voltasse no momento em que conheci Elvis, talvez, consertasse tudo. Portanto, senti as mãos suarem frias, a barriga se embrulhava, a sensação de náusea, tudo girava vertiginosamente e Elvis me perguntou qual o motivo dos meus olhos estarem perdidos. Percebi que eu estava tomando a expressão do homem que me entregou o botão. Entendi que para eu me livrar desse ciclo, eu deveria passar o Botão de Transição de Realidade para alguém. Elvis se sentou na cama e começou a me questionar se eu estava bem, se levantou em direção ao telefone dizendo que chamaria um médico.  Eu estava, lá, no que seria a